Nasceu em família humilde, quinto rebento de um total de seis. Rosinha nasceu antes da caçula Paula. Meninas criadas sem pai que se emperiquitou pela vizinha e abandonou o lar. Moravam todos no interior mas, pelas circunstancias da vida, tiveram de mudar para a cidade grande. São Paulo com seus arranha-céus imponentes, avenidas de puro concreto, era bem diferente do bairro simples de casinhas de madeira com florzinhas na janela e quintais com árvores frondosas onde costumava passar grande parte do tempo esquecida da vida, sonhando com seu príncipe encantado.
Um dia, numas das incontáveis voltas pela pracinha próxima a casa, única diversão possível para aquela menina pobre de 16 anos, após um dia de trabalho árduo como doméstica, recebeu das mãos de sua amiga, um bilhetinho que dizia assim:
A você morena bonita
Que eu nem sei o seu nome
Entrego meu coração
Porque o amor me consome
Rosinha ficou muito intrigada e curiosa querendo saber logo quem era o seu admirador apaixonado.
Tratava-se de Otávio, funcionário público, doze anos mais velho. Morava em Santos e de quinze em quinze dias ia à capital visitar familiares. Numa dessas idas avistou Rosinha que lhe roubou o sossego desde então. Logo estavam noivos. A menina não queria mas a mãe ralhava com ela dizendo:
-Você não pode perder esse partido - e recolocava no dedo de Rosinha a aliança reluzente que ela teimava em tirar sempre que havia uma oportunidade. Com o tempo acostumou-se à ideia de casar-se.
Otávio a visitava semana sim, semana não, com seu impecável terno de linho branco, chapéu de lado, nas mãos uma caixa de bombons e uma revista. Rosinha dizia às amigas:
-Vou levar uma vida de rica. Quem sabe ainda contrato uma de vocês para ser minha empregada. E riam, como elas riam fazendo planos.
Casou-se e foi morar no litoral.
Viu cada ilusão ser apagada pela gravidez imediata e a necessidade de trabalhar para ajudar nas despesas da casa para onde voltava exausta depois de um dia entre panelas, vassouras, esfregões e um tanque cheio de roupa suja.
O cansaço e o sono não permitiam que esperasse Otávio chegar da escola onde cursava o colegial.
Os anos passaram e Rosinha, a menina-mulher submissa, passava com eles. Querida por todos, sempre pronta a ajudar quem quer que fosse, teve três filhos.
Orgulho-me de ter tido uma mãe como ela. Mãe por parentesco, mas acima de tudo uma amiga.
Me lembro das conversas que tínhamos sobre garotos. Das tardes em que ficávamos bordando paninhos de prato depois que eu chegava do colégio. Do chocolate que ela sempre comprava quando íamos ao centro fazer compras. Da sua paciência e palavras carinhosas quando eu contava sobre uma paixão não correspondida. Do apoio que me deu quando meu casamento terminou. Do seu riso fácil e contagiante.
Dizia que ia viver só até completar 40 anos. Sobreviveu até os 56 quando foi vítima de um câncer agressivo que ceifou sua vida em seis meses.
Quantas vezes me peguei voltando para casa, depois de uma balada, rindo que nem boba sob o efeito do álcool, pensando que tinha de contar para ela as últimas peripécias da noitada.
O quarto vazio me chamava à realidade.
Ela se fora. Minha mãe, minha amiga, já não estava comigo.
E assim, sempre que acontecia alguma coisa ruim na minha vida e eu sofria, lembrava de minha mãe que aguentou corajosamente todas as dores provocadas pela doença.
A única vez que a vi reclamar foi na noite em que ela morreu.
Suas últimas palavras foram: filha, a mãe não aguenta mais de dor.
Desesperada busquei socorro na enfermaria exigindo que alguma coisa fosse feita porque minha mãe não podia sofrer. Logo ela, uma santa, um poço de bondade, um anjo bom na minha vida, não merecia passar por tudo o que vinha passando.
O enfermeiro colocou algo no soro e ela dormiu. Dormiu para não mais acordar entre nós. Despertou, com certeza, em um lugar lindo para onde são levados os anjos.
Mãe, nunca vou esquecer você, o grande amor da minha vida!
Este texto faz parte da Blogagem Coletiva de